Este texto publicado no jornal O Popular

segunda-feira, 25 de abril de 2016

As Pérolas do Mar Negro


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A Bulgária e a Romênia são países limítrofes localizados no leste europeu. Satélites da União Soviética na maior parte do Século XX, vêm obtendo notório crescimento econômico e cultural desde sua integração à União Europeia em 2007, diluindo sua antiga reputação de pobreza e atraso. Seu potencial turístico começa a chamar a atenção e se baseia em exotismo, hospitalidade, lendários castelos, isolados monastérios, estações de esqui e preços muito baratos até para os padrões brasileiros.

A religião ortodoxa é parte fundamental da vida na Romênia e na Bulgária

E por que visitar tais nações? Bem, pela aventura. É bem verdade que a estrutura é muito decente e a "aventura" fica diluída, mas aqui nada se compara aos destinos mais votados da Europa Ocidental. Ademais, quem nunca quis conhecer a Praça em que Ceausescu fez seu último discurso antes de ser preso e fuzilado? Quem nunca quis descobrir como foi a transição da Cortina de Ferro mais efusiva para a selvagem economia de mercado? Quem nunca quis conhecer o interior da Bulgária de trem? Quem nunca sonhou em saber como é a Transilvânia? Quem nunca pensou em perambular pelo centro velho de Sofia e observar os prédios depauperados e empoeirados? Bem, estas e outras atividades eu sempre desejei.

A Transilvânia é tipo isso

A Bulgária, cuja capital é Sofia, é um país da Europa do Leste que faz fronteira com a Turquia, a Grécia, a Macedônia, a Sérvia, a própria Romênia e o Mar Negro. É uma nação agrícola de poucos recursos, muito frio e montanhoso, conhecido por produzir as melhores rosas do mundo. A música búlgara é outro produto sensacional: ritmos não lineares, muita dança caótica, energética, e um certo clima de jazz folclórico, seja isto o que for.

Bulgária e seu belo alfabeto cirílico

Quanto à Romênia, é um país cujo idioma e população têm origem latina: a língua, por mais que a afirmação seja vulgar e pouco criativa, parece um português "errado". Limita-se com a Hungria, a Ucrânia, a Moldávia e o Mar Negro, além da Sérvia e a Bulgária mais ao sul. Sua capital, Bucareste, é a sexta maior cidade da União Europeia. Seu produto mais conhecido é o Conde Drácula.

Romênia e sua peculiar arquitetura

Nossa chegada no aeroporto de Sofia, numa gélida manhã de janeiro, contou com uma paisagem esbranquiçada pela neve recém-caída. Havia pouco movimento, apenas uns poucos policiais e trabalhadores, algo impressionante para a capital de um país. Para viajantes que procuram destinos menos óbvios, mais sossegados e repletos de história, perfeito! Utilizamos o metrô para chegar até a cidade e, apesar do alfabeto cirílico, foi tudo bem fácil e organizado. Seguimos diretamente para a estação em direção à primeira cidade do roteiro: Plovdiv, uma cidade cuja história tem 6.000 anos, anterior a Atenas e Roma.

Plovdiv e seu centro histórico muito preservado


Uma das cidades europeias mais antigas, Plovdiv é a segunda maior cidade da Bulgária e importante centro cultural e de negócios. É um município de médio porte orgulhoso de suas atrações arqueológicas, como o Anfiteatro Romano, datado do século II DC, com espaço para 6.000 espectadores. Continua sendo utilizado por orquestras, companhias teatrais e bandas de heavy metal, é impecavelmente mantido e visitá-lo é uma aula a céu aberto. 

Do rock

A cidade conta com várias outras escavações e um centro histórico muito agradável com gente jovem, mochileiros, restaurantes e cafés descolados. Ali, como no resto do país, é possível para um casal se alimentar com muita qualidade, acompanhados de uma garrafa de um excelente vinho búlgaro (sim, eles existem), tudo por uns 15 euros. A Bulgária é barata. 

Bebedouro público com água de excelente qualidade em Plovdiv

Plovdiv tem muitos bons hoteis e restaurantes graças à boa estrutura turística. Recomendo o impressionante Hotel Maritza (http://www.hotelmaritza-bg.net/). Não é tão central, mas é o hotel mais kitsch e divertido que alguém possa desejar por estas paragens, lembrando algo como um velho destino preferido pelos apaniguados do Kremlin. É barato, tem comida muito boa, é metido a chique, mas o centro está coalhado de opções menos exóticas.

O hotel mais kitsch do mundo

O retorno a Sofia, a terceira capital mais antiga da Europa, foi realizado num ônibus intermunicipal, meio de transporte mais eficiente no país. A primeira grande atração visitada foi a catedral ortodoxa Alexandre Nevsky, igreja de beleza singular construída por arquitetos russos para comemorar a libertação da Bulgária do jugo otomano na Guerra Russo-Turca de 1877-1878. A parte externa possui um curioso mercado de pulgas onde se pode encontrar bijuterias antigas, quinquilharias e memorábilia soviética.

A imponência ortodoxa

Sofia é uma cidade muito calma, com trânsito ordeiro e pessoas silenciosas que usufruem de muitos parques, construções imponentes, incontáveis igrejas e prédios com claras reminiscências da época comunista, com reformas a realizar e pinturas a retocar. Não há, contudo, pobreza ou mendicância evidente, nem mesmo em bairros mais afastados do centro, o que denota que mesmo os búlgaros estão muito à nossa frente no quesito distribuição de renda.

Um jovem


A Rua Vitosha, de pedestres, é o centro festivo da cidade, com seus bares e restaurantes abertos madrugada afora, mesmo no rigoroso inverno. Para os amantes da natureza, o Parque também denominado Vitosha é uma belíssima atração. Localizado a 30 minutos de Sofia, conta com trilhas para trekking, espaços para esportes de inverno e um idílico teleférico. Ali fizemos um dos mais belos passeios de toda a viagem.

Neve e mais neve

Em Sofia, recomendo fortemente o hotel Bristol (http://www.bristolhotel.bg/en/) que, embora não possua charme próprio por ser da rede Best Western, tem um custo benefício impressionante para um quatro estrelas búlgaro. Recomendo ainda o restaurante Vino Vino, um pouco fora do centrão mas próximo à Catedral Alexandre Nevsky. É um restaurante italiano com opções de comida do leste europeu e uma bela carta de vinhos búlgaros. Tem um ambiente belíssimo e merece a visita.

Romênia à vista

Após três dias em Sofia, atravessamos a fronteira da Bulgária com a Romênia por terra. Optamos por cruzar metade do caminho por ônibus e outra metade por trem, e ao final do dia já estávamos em Bucareste. A baldeação foi feita na espantosa cidade de Ruse, uma localidade que parou  por volta de 1945, com muito jeito de antigo paraíso soviético. 

Ainda os ortodoxos
 
Curiosamente, a primeira impressão da estação de trem de Bucareste foi a de um local que ainda não havia adentrado o século XX, mas o metrô tratou de apagar a vetusta imagem: é moderno, limpo, possui estações adequadas e muita eficiência. Nosso hotel localizava-se ao lado do Parque Cismigiu, o mais importante da cidade e próximo do Centro Histórico, o que nos forneceu fácil acesso aos bares e restaurantes da região.

A pequena Paris


Planejamos uma visita ao Palácio do Parlamento, ou Palatul Parlamentului, considerado o maior palácio do mundo, com 350.000 m2, e o segundo maior edifício, perdendo unicamente para o Pentágono nos EUA. Não é propriamente um motivo de orgulho nacional: sua construção foi determinada pelo último ditador comunista, Nicolau Ceausescu, às custas de um orçamento estimado em mais de três bilhões de euros. O megalômano tirano, para a execução do projeto, permitiu a destruição de grande parte da área histórica da cidade e o desalojamento de centenas de famílias. A visão do local, contudo, impressiona e a visita à parte interna é possível e recomendada.

Sombrio, estarrecedor


Também conhecida como “Paris do Leste” ou “Pequena Paris” em razão de sua arquitetura elegante, Bucareste é uma cidade que exige mínimos três dias de atenção. Devem ser incluídos passeios à Cidade Velha, com sua ruelas agitadas, visitas às incontáveis praças, igrejas e ao Museu da Aldeia, inserido no belíssimo Parque Herastrau e focado na exposição de réplicas de construções rurais de todas as regiões do país. Historicamente, vale a pena sentir o clima da Praça da Revolução, ou Piata Revolutiei, local onde Ceausescu fez seu último discurso antes de ser deposto, julgado e fuzilado, nos últimos dias de dezembro de 1989, em pleno turbilhão causado pela queda do Muro de Berlim.

RIP Ceausescu
 
Nosso hotel foi o Trianon (http://www.hoteltrianon.ro/en/), um agradável 3 estrelas com requintes romenos, ou seja, ótimo café da manhã, decoração kitsch e bom custo-benefício. Recomendo, nas redondezas, a primorosa cervejaria Gambrinus, local de boa cevada na pressão e várias opções estrangeiras, além de comida honesta e barata.

Alguma melancolia romena


A visita à cidade trouxe uma grande sensação de hospitalidade e segurança, e em seguida nos dirigimos à misteriosa Transilvânia, mais precisamente à cidade de Brasov, fazendo uma escala na linda localidade de Sinaia. Ali foi possível visitar o Monastério local, datado do ano 1700, e um dos mais belos castelos do mundo: Peles. Caminhando a partir da estação de trem, é possível visitar as atrações em uma tarde. 

Monastério em Sinaia


Construído em estilo românico entre 1873 e 1883, o Castelo de Peles era a residência de verão da antiga família real. Na visita, os guias apresentam interiores sóbrios, móveis antigos muito bem conservados, armaduras, detalhes e decoração primorosa. Um passeio nos jardins é atividade obrigatória, assim como comprar alguma bugiganga numa das várias bancas de ambulantes que se amontoam na área externa. Sem medo de errar, posso afirmar que este é um dos mais impactantes e bonitos passeios do Leste Europeu, rivalizando, guardadas as proporções, com Praga, Budapeste e São Petersburgo.

Uma visão impecável


Seguindo o roteiro, aportamos na cidade medieval de Brasov, hoje habitada por 400.000 pessoas e de história pulsante. É também um destino de charme encravado nos Cárpatos Meridionais (ou Alpes da Transilvânia), sendo próxima de algumas localidades dedicadas à prática de esportes de inverno, como a agitada Poiana Brasov. O centro histórico, assim como seus arredores, inclui a Igreja Negra, a única igreja gótica da Romênia, portões, cidadelas, fortalezas e a colina de Tampa, local para caminhadas e para observação da cidade.

Descansando


A maior atração da área de Brasov é o Castelo de Bran, mais conhecido como o castelo do Conde Drácula. Trata-se de uma fortificação medieval cujo morador mais notório foi o príncipe medieval Vlad Tepes, de alcunha “O Empalador”, notório por sua brutalidade para com os inimigos. Diz a lenda que foi este personagem que inspirou a história de Dracula, escrita por Bram Stoker em 1897. A visita ao castelo envolve a subida de muitas escadarias e a presença em nichos estreitos e soturnos, mas o museu foi reformado e exibe móveis, apetrechos e fotografias dos inúmeros governantes que por lá aportaram. O castelo conta com um eficiente marketing, mas vale o passeio e o almoço em algum dos bons restaurantes da área. Os últimos dias na região foram abrilhantados pela neve incessante, e tudo que foi visto conta com um marcante registro em nossa memória.

É bonito mesmo
 
Em Brasov, a estadia valeu cada centavo no confortável Casa Antiqua (http://casaantiqua.ro/EN/), um hotel-boutique com móveis e decoração vintage localizado no centro nervoso da cidade. Gaste o romeno que você aprendeu no Le Ceaun, local onde os locais tomam a melhor sopa da cidade e as donas não falam inglês; à noite, adentre o Bistro Del`Arte e curta uma noite interessante embalado por boa música e bebida honesta.

Sibiu e suas feições humanas
 
Por fim, passamos ainda uma última noite na charmosíssima cidade de Sibiu, cujas principais atrações são seus museus, restaurantes e os telhados que têm olhos. São pequenas aberturas, fendas ou janelas que dão uma divertida feição humana às casas.

Cores marcantes no inverno

Aqui encontramos os melhores restaurante da viagem: mergulhe na comida típica da Romênia almoçando no ambiente medieval do Crama Sibiana e usufrua do clima leve e descontraído, com excelente comida, do Kulinarium, à noite.

A preocupante visão do aeroporto de Sibiu

A Bulgária e a Romênia são países que, estando fora do foco de turismo de massas, mantém quase intocadas sua originalidade e sua simplicidade, preservando com cuidado suas características rurais e suas raízes históricas que foram sendo construídas diante das rivalidades de otomanos, russos, húngaros e germânicos. Pode-se afirmar que são países em pleno desenvolvimento capazes de nos apresentar fragmentos de um mundo que já não existe mais. São as pérolas escondidas do Mar Negro. 

Eu e minha cerveja romena